domingo, 7 de fevereiro de 2010

O latim, língua viva na Igreja

 


Ao cair da tarde de um dos dias primaveris do ano de 374, sobre a amurada de um dos navios ancorados no porto de Aquileia e prestes a levantar ferro, rumo a Dirráquio, um jovem de 27 anos aguardava, impaciente, o momento em que os escravos encarregados das mercadorias dos passageiros, corressem para as suas bagagens, que ele vigiava com olhar solícito e acrisolado carinho. A viagem ia ser longa e a sua equipagem, composta exclusivamente de preciosos pergaminhos latinos, reunidos em Roma «à custa de mil suores e fadigas», corria perigo.

Esse estudante, que doze anos antes, deixara a sua pequena pátria Estridónia, nas fronteiras da Dalmácia, para se ir matricular na Urbe entre os discípulos do célebre gramático romano, Élio Donato, e regressava agora com o espírito e as malas carregadas de erudição dos clássicos latinos, era Jerónimo - o homem que a Igreja havia de sublimar com a auréola de santo e a humanidade havia de saudar com o encomiástico nome de Cícero cristão.

Rijas batalhas devia ele travar com encarniçados impugnadores da cultura clássica, alguns dos quais, como Rufino, não hesitariam em acusá-lo de pagão, perjuro e infiel ao juramento prestado ante o tribunal de Deus.

Imunizava-o, porém, contra os ataques dos adversários do classicismo, o exemplo decidido de S. Paulo, o qual escrevendo a Tito empregou um hemistíquio heróico do poeta Epiménides, e noutra carta um verso senário de Menandro; e até duma inscrição, encontrada por acaso, se servira para a defesa da fé.

Por isso, o monge de Belém podia replicar aos que injustamente o arguíam: «Que admira que eu, encantado com a graça e beleza da sabedoria profana, tenha pretendido fazer dela uma israelita, de criada e escrava que era? Depois de a ter despojado de tudo o que tem de mortal, de tudo o que cheira a idolatria, a erros e a prazeres pecaminosos, não poderei eu, aliando-me com ela, torná-la fecunda para Deus?» .

Pensava acertadamente este humanista de gema, e a própria Igreja católica era a que lhe insuflava o mais estimulante incentivo, fazendo uso assíduo da língua e cultura do Lácio nas suas escolas e nos seus escritos.

A missão universal atribuída por Plínio à língua latina, não acabou com a queda do império romano; a Igreja católica, fazendo seu o idioma do Lácio, como que lhe comunicou a sua vitalidade perene, unitiva e pacificadora, servindo-se dele para evangelizar os povos e para criar a nova civilização cristã.

Os Apologetas e Padres Latinos, ao exararem suas obras na majestosa língua de Roma, transfundiram-Ihe nova seiva, criaram novos vocábulos, remoçaram-na, avigoraram-na e cerziram-na em moldes de mais ampla e moderna tessitura.
Minúcio Félix e S. Jerónimo, Tertuliano e S. Agostinho, S. Cipriano e S. Leão Magno, pela elegância do seu estilo rico e sonoro, pelo vigoroso poder de expressão verbal inconfundível, e pela beleza das páginas que criaram, podem não só competir com os escritores mais celebrados da época áurea de Roma, mas superam-nos, até, na sublime elevação do seu pensamento medularmente cristão.

E foram estes homens da Igreja, foram os humanistas, os filósofos e os teólogos cristãos, os que mais trabalharam, consciente ou inconscientemente, pela vitalidade imperecível do latim. Como subtilmente notou A. Bacci, «o latim não morreu, nem podia morrer, porque foi chamado a participar da mesma indefectível vida da Igreja».

Ninguém, mais do que os Pontífices romanos, tem enaltecido a importância do latim, e inculcado tão insistentemente o seu estudo teórico e prático.

Para só mencionar testemunhos mais modernos, citemos primeiramente as palavras exortatórias de Pio IX, na Carta Encíclica, Singulari quidem, aos Bispos do Império Austríaco, a 17 de Março de 1856: «Procurai com todas as veras, que principalmente nos vossos seminários, os jovens seminaristas se formem cuidadosamente no conhecimento da língua latina e no estudo das humanidades ... ».

Leão XIII, na Carta, Plane quidem intelligis, ao Cardo Vigário de Roma, de 20 de Maio de 1885, exprime o veemente desejo de que se proporcione ao clero uma esmerada cultura literária e se dê 'a primazia ao latim, como companheiro e auxiliar, que é, da Religião católica em todo o Ocidente: est latinus sermo religionis catholicae Occidente to to comes et administer».

E em Carta Encíclica dirigida aos Bispos e ao Clero da França, em Setembro de 1899, o imortal Pontífice da Rerum Novarum, sentindo que os Seminários franceses, por cedência aos programas do Estado tendentes a reduzir o estudo do latim, corriam o risco de o mutilar também nas suas aulas, previne os Prelados do perigo e recorda-lhes a urgente necessidade de manterem «os estudos dos aspirantes ao sacerdócio fiéis aos métodos tradicionais dos séculos passados. Foram eles que formaram os homens eminentes de que a Igreja de França justamente se gloria». E, concretizando mais, adverte: «Se de há vários anos para cá, os métodos pedagógicos em vigor nas escolas do Estado reduzem progressivamente o estudo da língua latina e suprimem os exercícios de prosa e verso, a que os nossos antepassados davam, e com razão, tanta importância, os Seminários menores devem estar alerta contra tais inovações inspiradas em preocupações utilitárias, e que redundam em detrimento da sólida formação do espírito».

Por sua vez, S. Pio X, na Carta Vehementer sane, enviada aos Bispos de todo o orbe católico, a 1 de Junho de 1908, depois de chamar seriamente a atenção para o facto de «ser o latim a língua própria da Igreja (linguam latinam iure meritoque dici et esse linguam Ecclesiae propriam), bem como «a língua da Filosofia e da Teologia (sed praeterea lingua latina cum Philosophiae, tum sacrarum disciplinarum lingua facile dicenda est), ordena que os Professores expliquem essas matérias em latim».

Com não menos vigor se exprimiu Bento XV, em Carta aos Bispos alemães, datada de 9 de Outubro de 1921: «Os alunos aprendam com empenho a língua latina e vernácula... Procurem sobretudo, com diligência, os Bispos que o estudo do latim recupere com brilho o seu antigo esplendor: Sed curent praesertim diligenterque provideant Episcopi ut studium latini sermonis... in spem veteris gloriae revirescat».

Pio XI consagrou à causa do latim na Igreja uma atenção muito particular. Em 1 de Agosto de 1922, frisando que o conhecimento do latim entre os clérigos importava não só ao estudo das humanidades, mas à própria Religião, declarava: «É evidente que o clero, primeiro que ninguém, deve mostrar grande afeição à língua latina: liquet clerum, ante alios, latinae linguae perstudiosum esse oportere». E dá, entre outras, esta razão subtil: «Se em qualquer leigo de mediana cultura, a ignorância da língua latina, que podemos chamar verdadeiramente católica (quam dicere catholicam vere possumus), denota menos amor à Igreja, quanto mais convém que todos os clérigos conheçam a fundo essa mesma língua!».

Como medida prática a atestar o interesse qqe votava a tão nobre causa, ordenou Pio XI, pelo Motu Proprio. Litterarum Latinarum, de 20 de Outubro de 1924:

1.º - Que na Universidade Gregoriana, confiada pela Santa Sé à Companhia de Jesus, se erigisse uma cátedra de latinidade para ensino da língua e literatura latinas.

2.º - Que os Mestres que houvessem de reger essa cátedra, procurassem por meio de frequentes exercícios orais e escritos, levar os alunos a um aperfeiçoamento mais primoroso do estilo latino.

3.º - Que o curso compreendesse dois anos; e que ao cabo desse biênio, se entregasse um diploma aos alunos devidamente aprovados no exame final. Os alunos providos de tal diploma seriam preferidos nos concursos para a obtenção de benefícios junto da Santa Sé e das Cúrias diocesanas, e os mais distintos seriam premiados.

4.º - As aulas seriam franqueadas a todos, mesmo aos leigos. Particularmente desejava o Sumo Pontífice que fossem frequentadas por alunos dos Seminários e das Comunidades religiosas, residentes na Itália ou fora dela, mormente por aqueles que os Prelados julgassem mais idóneos para o estudo do latim.

Finalmente, Pio XII proclama o uso do latim como «evidente e belo sinal de unidade e remédio eficaz contra qualquer possível corrupção da genuína doutrina». Considera a língua latina como «um tesoiro de incomparável beleza: thesaurus est incomparandae praestantiae». Mas não pode abafar o queixume de verificar que «a língua latina: glória dos sacerdotes, tem cada vez menos e mais frouxos cultores: Proh dolor, latina lingua, gloria sacerdotum, nunc languidiores usque et pauciores habet cultores». Não quer que haja sacerdote algum que não a entenda e fale com facilidade e fluência: «Nullus sit sacerdos, qui eam nesciat facile et expedite legere et loqui». Se algum sacerdote houver que a ignore, deve-se crer que sofre de lamentável deformidade mental: quare sacrorum administer qui eam ignorat, reputandus est lamentabili mentis laborare squalore.

Nada mais justificado do que estes tão reiterados apelos dos Sumos Pontífices para o cultivo do latim entre os eclesiásticos. O latim é a língua de comunicação universal entre os sacerdotes das mais longínquas e diversas regiões; é a língua em que se encontram traduzidos os livros do Antigo e Novo Testamento; é a língua em que são redigidos a maior parte dos documentos Pontifícios; é a língua em que foram escritos alguns dos tratados mais belos e autorizados de ascese e exegese Patrística, de Teologia, de Filosofia e de Pastoral; é finalmente a língua em que os sacerdotes da Igreja Latina recitam as preces canónicas do Breviário, da Missa e das cerimónias litúrgicas.

Tem-se esboçado aqui e além certa tendência a acabar com o latim na missa e no ritual. Embora sob o aspecto pastoral pudesse ter alguma vantagem o emprego da língua vernácula, a isso fàcilmente se ocorre com a tradução do missal para uso dos fiéis e com a versão de algumas fórmulas na administração de vários sacramentos, autorizada já pela Santa Sé para diversas nações.

Mas ao lado do aspecto pastoral, há o aspecto católico. O Cardeal Gibbons tentou um dia dar a razão do emprego do latim na missa e nas funções litúrgicas da Igreja. E era precisamente este aspecto católico que o eminente Purpurado pretendia focar: «Quando se implantou pela primeira vez o Cristianismo, dirigia os destinos do mundo o Império romano (...). O latim era a língua do império (...). A Igreja adoptou naturalmente na sua liturgia do culto público, a língua que então preponderava entre os povos. Os Padres da primitiva Igreja escreveram geralmente na língua latina, que assim se tornou depósito dos tesoiros da literatura sagrada na Igreja.

No século v sobreveio a ruptura do Império Romano. Novos reinos começaram a formar-se na Europa, sobre as ruínas do velho Império. O latim deixou gradualmente de ser língua viva dos povos, e novos idiomas começaram a brotar da língua-mãe. A Igreja, porém, conservou na sua liturgia e na administração dos sacramentos a língua latina, por muitas e prudentes razões:

Primeiramente, a unidade da fé. A Igreja Católica mantém sempre uma e a mesma fé, a mesma forma de culto público, o mesmo governo espiritual. Assim como a sua doutrina e liturgia se conservam inalteráveis, assim ela deseja que a linguagem da sua liturgia seja fixa e uniforme. A Fé Pode chamar-se a jóia, e a linguagem o cofre que a contém. A Igreja é tão cuidadosa em preservar intacta a jóia, que não se atreve a modificar o cofre em que ela se encerra. As línguas vivas, ao contrário duma língua morta, mudam constantemente o vocabulário e seu significado (...). A língua latina, pelo contrário, sendo uma língua morta, não está sujeita a essas vicissitudes».

O ilustre Antístite Baltimorense apela depois para a catolicidade da Igreja e salienta, que em contraste com o que se passa nas seitas protestantes, como nos Concílios ecuménicos, é a língua latina que permite o mútuo entendimento e fácil expressão entre os membros das mais remotas e variadas nacionalidades. Por fim, entrando mais em concreto na questão proposta sobre o uso do latim na missa, o Cardeal Gibbons formula a objecção, à qual responde imediatamente: «Mas o facto de o sacerdote dizer a missa numa língua desconhecida, não fará com que o povo ignore o que ele está dizendo e perca assim o seu tempo na Igreja.

Sentimos vontade de sorrir perante tais objecções que se repetem levianamente de ano para ano. Tais asserções procedem de uma ignorância total do que é a missa.

Muitos protestantes imaginam que a essência do culto público consiste num sermão. Daí que para eles, o principal dever dos fiéis é escutar o discurso que lhes é dirigido do púlpito. Pelo contrário, a oração, segundo a doutrina católica, é o dever mais essencial dos fiéis, se bem que estes são instruídos com regularidade por meio de sermões. Ora, o que vem a ser a missa? Não é um sermão, mas uma oração sacrifical que o sacerdote oferece a Deus por si mesmo e pelo povo. Quando o sacerdote celebra a Missa, não fala com o povo, mas com Deus, para quem todas as línguas são inteligíveis.

Os fiéis não podem, certamente, ouvir o celebrante (...), visto que boa parte do que ele diz é pronunciado em voz baixa. E era este o sistema cultual prescrito por Deus na Antiga Lei, como lemos no Antigo Testamento e no primeiro capítulo de S. Lucas. O sacerdote oferecia o sacrifício e orava pelo povo no santuário, enquanto os fiéis oravam a distância, no átrio. Em todas as igrejas cismáticas do Oriente, o sacerdote nas funções públicas não reza em vernáculo, mas numa língua morta. O mesmo se pratica hoje em dia nas sinagogas judaicas: o Rabi reza em hebraico, que é uma língua com a qual boa parte dos fiéis não estão familiarizados.

Mas será verdade que o povo não entende o que o sacerdote diz na missa? De modo nenhum. Por meio de um missal em vernáculo pode seguir o celebrante desde o princípio até ao fim das funções religiosas».

A uma exposição tão clara e tão brilhante, como esta, nada mais há a acrescentar; quando muito, convirá esclarecer que o latim não é língua morta, mas viva. O latim da missa ou do Ritual tem-se conservado mais ou menos inalterável; mas a língua latina, como tal, continua em evolução e progresso, sobretudo na técnica lexicográfica. Não há, a bem dizer, tema moderno e científico, sobre o qual a Igreja não se tenha pronunciado em latim. Recorde-se, por exemplo, a Encíclica de Pio XI, «Vigilanti Cura», sobre o cinema, bem como as normas directivas de Pio XII sobre a radiestesia.

Em Junho de 1939, no vasto pátio de S. Dâmaso, no Vaticano, o Papa Pio XII falou em latim a vários milhares de alunos dos Institutos eclesiásticos de Roma. O latim é a língua usada por mestres e alunos nas disciplinas de Filosofia e Teologia da maior parte dos Seminários e Universidades eclesiásticas de todo o mundo.

Infelizmente, porém, o declínio do estudo do latim, tem atingido também, num e noutro sector, alguns estabelecimentos de ensino eclesiástico. Nem sempre se cumprem à risca as prescrições da Santa Sé quanto ao uso da língua latina nas aulas de Filosofia e de Teologia, e alguns Professores tendem a ampliar abusivamente a concessão feita por Bento XV nas «Normas», enviadas a todos os Ordinários da Itália, nas quais se permitia ao professor acrescentar alguma ulterior explicação em vernáculo.

Com razão, o Geral da Companhia de Jesus, M. R. P. Wlodimiro Ledóchowski, a quem a S. Congregação dos Seminários, preocupada com a sorte do latim e do ensino superior nos Institutos eclesiásticos, solicitou oportunamente o parecer, alegava entre outras razões em defesa do latim nas escolas da Igreja, a da disciplina eclesiástica. A vista de tantos e tão claros documentos Pontifícios, a inculcar o estudo do latim, sobretudo desde o século XVI, quando os inimigos da Igreja, e principalmente a franco-maçonaria, começaram a vibrar-lhe golpes demolidores (bem sabiam eles que alvejar o latim, era até certo ponto alvejar também a Igreja), «é muito triste - comenta o M. R. P. Ledóchowski - que nos seminários, onde se forma o clero e se deve dar exemplo de pressurosa obediência à Santa Sé, documentos Pontifícios tão magníficos e tão solenes, e prescrições tão claras, sejam em não poucos países ou simplesmente ignorados ou (o que é pior) abertamente transgredidos».

Outra grave razão em prol do latim, é a que o mesmo Prepósito Geral deduz da necessidade de preservar, a todo o transe, a «pureza da fé». As línguas modernas estão em constante evolução; em muitas línguas vivas vão-se introduzido muitas alterações sintácticas, morfológicas e semânticas. Pelo contrário, na língua latina os termos criados à custa de discussões profundas através dos séculos, para exprimir os mais altos e difíceis conceitos filosóficos e teológicos, tornaram-se, por assim dizer, termos técnicos, de significação bem definida e fixa. Dada, pois, a dificuldade e o perigo de reproduzir em vernáculo ideias tão transcendentes, expressas numa linguagem concisa e estável, bem se deixa ver o risco a que se expõe a genuína doutrina teológica e filosófica, quando se abandona o latim e se preferem as línguas nacionais.

O perigo é tanto mais sério, quanto por analogia, talvez, com a criação de línguas nacionais, se tem caído nestes últimos tempos de tão exagerado nacionalismo, na louca pretensão de criar Igrejas nacionais. Banir o latim - receia o M. R. P. Ledóchowsld - é arriscar não só a pureza da fé, mas também a «unidade da Igreja».

A estas razões tão autorizadas, queremos adicionar ainda outra, que chamaríamos de «decoro eclesiástico».

A partir, sobretudo, do Congresso de Avinhão, celebrado em Setembro de 1956, acentua-se cada vez mais, entre os próprios leigos, o movimento a favor do latim, não só como língua viva, mas até como língua internacional.

Ainda recentemente os homens cultos do nosso país puderam vibrar de júbilo perante o desassombro com que o Doutor Américo da Costa Ramalho, em bem documentado discurso, provou perante os seus ilustres colegas da Assembleia Nacional, que o latim nem era língua morta, nem inútil, e que, ainda mesmo esquecido, fazia perdurar a sua benéfica influência no espírito e na acção daqueles que um dia o cultivaram.

Todas as tentativas para impor universalmente uma língua artificial, têm fracassado. Inventou-se o Volapük, composto em 1870 pelo célebre poliglota Scheyrer; difundiu-se o Esperanto, da autoria do Dr. Zamenhof, médico ele Varsóvia, que o deu a conhecer em 1887 com outro nome; propuseram-se Interlíngua e o latim sem flexões. Nenhum destes idiomas, porém, obteve um acordo unânime e, muito menos, os resultados práticos que alguns lhe auguravam.
Só o latim oferece solução viável e oportuna.

Seria lamentável que os homens da Igreja, propugnadora invincta da latinidade, cedessem posições na defesa e no cultivo da língua latina!

O M. R. P. Ledóchowski, no depoimento atrás citado, era de parecer, que devia manter-se e exigir-se com firmeza a prescrição do uso do latim nas aulas de Filosofia e Teologia, de tal maneira que não pudessem ser admitidos aos estudos filosóficos os seminaristas que não fossem capazes de compreender o latim dos professores e dos compêndios e, ao menos, passado algum tempo, de exprimir o seu pensamento em latim nas repetições e disputas. Opinava, ainda, que deviam ser depostos do seu ofício os Professores que não quisessem conformar-se com as prescrições da Santa Sé. Finalmente, sugeria que se enviasse um Visitador aos diversos seminários, para se ocupar apenas deste assunto.

Pela nossa parte, acharíamos também útil a abertura de cursos intensivos de latim prático, nas férias do verão, para futuros e actuais Professores de latim nos seminários. Podiam aí tratar-se, em latim, questões gerais e especializadas de Gramática Latina, desenvolver-se um tratado de história da literatura latina em latim, e proferir-se-iam algumas conferências sobre cultura latina, algumas delas acompanhadas de projecções.

Todos os apologistas do latim, como língua viva, estão de acordo em que só os antigos e tradicionais métodos de traduzir, escrever e falar habilitam para o completo domínio do idioma do Lácio.

E não é preciso que se aspire a escrever e falar somente o latim de Cícero e de César, sobretudo quanto ao vocabulário. Não é preciso, nem é possível. Embora a Igreja tenha favorecido sempre, por todos os meios, o latim clássico, admite igualmente e emprega o latim cristão dos SS. Padres, bem como o latim progressivo e moderno, que os homens doutos têm enriquecido, através dos séculos, ante novas necessidades e novos conceitos do pensamento humano.

Mas note-se que latim cristão não é sinónimo de latim bárbaro nem vulgar, nem decadente. Embora, por vezes, se possam depreender vestígios de decadência e vulgaridade nalguns escritos eclesiásticos, a verdade é que a generalidade dos latinistas cristãos, como Tertuliano, Minúcio Félix, S. Jerónimo, S. Agostinho, S. Leão Magno, Erasmo, Marsílio Ficino, Jerónimo Osório e José Caeiro, para citar apenas alguns nomes mais proeminentes na literatura latina cristã do passado, cultivaram com primor as elegâncias do latim clássico, e algumas das suas páginas podem, sem discrepância, figurar ao lado das melhores de Cícero e de César.

Advogamos decididamente a evolução do latim na técnica vocabular, na aquisição de novas palavras e novas expressões, quando a necessidade ou a conveniência o requererem e a autoridade dos mestres o legitimar.

Mas parece-nos indispensável, por motivos de coerência, uniformidade e clareza, a fidelidade aos preceitos gramaticais do latim clássico.

Reprovamos, portanto, solecismos e barbarismos como estes, próprios do latim decadente ou arcaico: videtur quod philosophi vacant, por: videntur vacare philosophi; dixit quid volebat, por: quid vellet; nescit homo si est dignus amoré, por: an sit dignus; adeo aegrotus est, ut iam non vult cibos, por: ut nolit; faveas venire, por: veni, quaeso; etc., etc.

Também seria para desejar a uniformidade de pronúncia, sobretudo agora que tanto se debate o problema do latim como língua universal. Não poderá sê-lo, de modo satisfatório, enquanto se mantiverem as três pronúncias actualmente vigentes: a romana, a tradicional e a restaurada. Esta última, que pode dizer-se suficientemente conhecida e mais científica, vai conquistando, cada dia, mais adeptos não só nas universidades laicas, onde principalmente tem dominado, mas até entre eclesiásticos, sobretudo na Alemanha. No Congresso de Avinhão, em Setembro de 1956, foi proposta como pronúncia única.

Como única a propugna calorosamente César Vicário, S. M., em carta aberta ao Director de «Incunable», magnífico periódico sacerdotal espanhol, que à causa do latim tem consagrado este ano oportunos artigos.

Pelo contrário, o P. Manuel - M. Ibáiíez, em carta publicada no mesmo periódico em Março deste ano, sustenta que a pronúncia universal «no puede ser otra que la romana».

Refuta-o César Vicário, estribando-se na autoridade do P. José Jiménez Delgado, o qual nos Cursos de Humanidades Clássicas, celebrados na Universidade Pontifícia de Salamanca, de 5 a 25 de Agosto de 1957, «demonstrou que nem da célebre carta ao Cardeal Dubois, nem da não menos conhecida aos monges de Monserrat, nem do Sínodo de Tarragona, em que se ventilou este assunto, se deriva obrigação alguma de aceitar a pronúncia romana como pronúncia universal (...). O texto citado pelo P. Ibáiíez expressa realmente um desejo do Papa, mas unicamente a respeito do culto: in liturgico cultu peragendo. E é muito possível - acrescenta César Vicario - que nem Bento XV, nem Pio XI, se expressariam hoje nesses termos».

Quanto a nós, reconhecendo embora as dificuldades práticas da adopção da pronúncia «restaurada» do latim, não hesitaríamos, contudo, em patrocinar a sua universalização dentro e fora da Igreja, apondo-Ihe a condição que já no Congresso de Avinhão propôs M.lle E. Malcovati: «que uma comissão internacional de latinistas de todos os países, designados pelas Associações Clássicas, elaborasse as Regras desta pronúncia, naturalmente adaptada a cada país»; e que se respeitasse «a pronúncia diferenciada - tradicional - do «u» vogal e do «u» consoante antes de vogal (v)», por causa da dureza e cacofonia, a que dá frequentemente azo em palavras e expressões, como estas: uiua, uoce, inuia, Naeuius, etc.

A regra de todas as vogais abertas, vigente na pronúncia romana, apresenta uma vantagem prática que deveria ter-se em conta na adaptação da pronúncia restaurada, onde a prolação das vogais com som fechado ou aberto, consoante a sua quantidade longa ou breve, tornaria bastante complicada a fonética e exigiria um dispêndio de energias e de tempo, talvez não compensativo.

Em todo o caso, com a pronúncia romana, ou com a tradicional, ou com a restaurada, defenda-se e cultive-se, entre os eclesiásticos, o latim como sempre foi tido: língua viva na Igreja.

Extraído de "Estudos de Cultura Greco-Latina", de António Freire, S.J., Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1960.
 

Galileu não esteve preso nem morreu na fogueira

Entrevista bastante esclarecedora sobre os mitos e verdades históricas sobre o gênio católico Galileu Galilei. Texto retirado do excelente Presbíteros.

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Entrevista com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura

Por Carmen Elena Villa

ROMA, domingo, 24 de maio de 2009 (ZENIT.org).- A Organização das Nações Unidas declarou 2009 como o Ano da Astronomia, devido à comemoração do 4º centenário do nascimento do telescópio por obra de Galileu. Por que alguns organismos da Santa Sé se unem a esta celebração, se condenaram o famoso astrônomo?
Por este motivo, Galileu Galilei é visto hoje como um “santo leigo”, como um “mártir da ciência” e a Igreja, como a “grande inquisidora” deste gênio da astronomia.
O caso de Galileu é mencionado também no livro “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, cujo filme foi lançado mundialmente no dia 13 de maio passado.
Zenit falou com Dom Melchor Sánchez de Toca, subsecretário do Conselho Pontifício para a Cultura e co-autor do livro “Galileu e o Vaticano”, sobre aqueles mitos, assim como as verdades históricas do juízo que a Igreja realizou a este controvertido personagem.

– Falemos um pouco das lendas negras de Galileu…
– Dom Sánchez de Toca: Em 9 de maio passado, eu estava dando uma conferência sobre Galileu em Toledo, Espanha, a um auditório formado principalmente por seminaristas e pesquisadores católicos, e comecei dizendo-lhes que muitos se surpreendem ao saber que Galileu não foi queimado na fogueira e nem foi torturado, nem esteve na prisão. Ao terminar a conferência, um dos assistentes me disse: “eu sou um desses, eu sempre pensei que Galileu havia morrido na fogueira”.
O curioso do caso é que na realidade ninguém o disse e nem provavelmente o tenha lido. Simplesmente é o que ele imaginava. Isso demonstra a força tão grande que tem o mito que se construiu em torno de Galileu. Como dizia João Paulo II, a verdade histórica dos fatos está muito longe da imagem que se criou posteriormente em torno de Galileu. Todo o mundo está convencido de que Galileu foi maltratado, condenado, torturado, declarado herege, mas não é assim.
Para dar um exemplo muito recente, o livro de Dan Brown, “Anjos e Demônios”, tem um pequeno diálogo a propósito de Galileu, a quem apresenta como um membro da seita dos Illuminati e contém um monte de erros históricos junto a outras coisas que são corretas.

– Podemos falar desses erros históricos de “Anjos e Demônios” com respeito relação ao tema de Galileu?
– Dom Sánchez de Toca: Na realidade, o livro se refere a estereótipos que estão muito difundidos. O problema de fundo deste livro é a mistura de ideias filosóficas e científicas. A trama vem a dizer que o professor e sacerdote Leonardo Vetra é assassinado por uma seita porque descobriu o modo de tornar compatíveis a fé e a ciência; mais ainda, diz que a física é o verdadeiro caminho para Deus. Estas são ideias que se difundem muito, porque conseguiu, no laboratório, criar matéria do nada. Isso é um absurdo, filosoficamente falando. Fisicamente é impossível o que propõe, porque do nada não sai nada. Pode-se criar matéria a partir do vazio, mas o vazio não é o nada, o vazio é, enquanto o nada não é. É um princípio filosófico elementar.
Esta tese diz que a física representa um caminho melhor e mais seguro para chegar a Deus. Logo, com relação a Galileu, concretamente, apresenta o estereótipo habitual, segundo o qual ele foi condenado por ter demonstrado o movimento da terra.
Galileu dizia, e nisso estavam de acordo seus juízes, que não pode haver contradição entre o livro da Bíblia e o livro da natureza, porque um e outro procedem do mesmo autor. O livro da Bíblia, inspirado por Deus, e a natureza, observante executora de suas ordens. Se têm o mesmo autor, não pode haver contradição. Quando surge uma aparente contradição, significa que estamos lendo mal um dos dois livros e ele diz: é mais provável que sejamos nós que nos equivoquemos ao ler o livro da Bíblia – porque o sentido das palavras da Bíblia às vezes é recôndito e é preciso trabalhar para extraí-lo – que equivocar-se ao ler o livro da natureza, porque a natureza não se equivoca.
Uma verdade natural, cientificamente demonstrada, tem uma força maior que a interpretação que eu dou do livro da Bíblia. Portanto, diz ele, em presença de uma verdade científica demonstrada, terei de corrigir o modo de interpretar a Bíblia. A Bíblia não se equivoca, mas quem a interpreta se equivoca. Um critério claro compartilhado por seus juízes e por todo o mundo.
O Concílio de Trento, por outro lado, dizia que, na leitura da Bíblia, era preciso seguir a interpretação literal da Bíblia e o consenso unânime dos Padres da Igreja, a menos que houvesse uma verdade demonstrada que nos permitisse fazer uma leitura espiritual ou alegórica. O critério era muito claro: o que ocorre é que Galileu pensou que estava a ponto de conseguir a demonstração do movimento da terra. Uma coisa é estar convencido de que a terra se move e outra coisa é demonstrar que a terra se move. Galileu nunca demonstrou que a terra se movia. Estava convencido disso e hoje sabemos que tinha razão, mas seus juízes lhe diziam que não viam por que tinham de mudar o modo de interpretar a Bíblia, sobretudo quando o bom senso diz o contrário, sem uma prova definitiva. Os juízes de Galileu adotaram uma posição de prudência. Galileu foi além. Qual foi o erro dos juízes de Galileu? Deveriam ter se abstido de condená-lo.

– Como foi, na verdade, o julgamento de Galileu?
– Dom Sánchez de Toca: Fundamentalmente, Galileu foi processado em 1633 por ter violado uma disposição que lhe foi feita em 1616. A disposição de 1616, que Galileu não cumpriu, proibia-o de ensinar o copernicanismo, ou seja, a doutrina que diz que o sol está no centro e a terra se move ao redor dele.
Galileu pensou que a proibição não era tão rígida, sobretudo depois da eleição do Papa Urbano VIII, e publicou um livro no qual, sob a aparência de um diálogo no qual se expõem os argumentos a favor e contra, tanto do sistema ptolomaico como do copernicano, na realidade se escondia uma apologia declarada do sistema copernicano. Não só isto, era já fraudulentamente o imprimatur, enganou a quem o concedeu dizendo que era uma exposição imparcial, mas não era nada imparcial. Por este motivo foi acusado e, portanto, submetido a processos, ou seja, submetido a um processo disciplinar.
Galileu nunca foi condenado como herege, nem tampouco o copernicanismo foi declarado como herético. Simplesmente foi declarado contrário à Escritura porque sobre a base das provas que existiam então não era possível demonstrar o movimento da terra e, portanto, dizer que a terra se movia parecia ir contra a Escritura. Foi muito significativo que em 1616 um grupo de especialistas declarasse que a doutrina segundo a qual a terra se move ao redor do sol era absurda e isso se entende perfeitamente no contexto da época, porque não se podia demonstrar e o bom senso dizia que o sol se põe e sai.
Sem uma física como a de Newton, sem uma prova ótica como o movimento da terra, a coisa parecia absurda.
Nós crescemos desde pequenos vendo modelos e imagens do sistema solar, mas o fato é que ninguém viu a terra mover-se ao redor do sol, nem sequer um astronauta. Temos provas óticas do movimento da terra, mas ninguém viu a terra mover-se. Por isso nos parece que a atitude dos que condenaram Galileu é exagerada, mas na realidade responde a uma lógica.

– E responde não somente ao que a Igreja pensava, mas a sociedade em geral…
– Dom Sánchez de Toca: Naturalmente. O copernicanismo encontrou uma grande oposição, principalmente nas universidades. Teve uma aceitação muito gradual e a oposição não foi só na Igreja Católica. Também as igrejas protestantes se opuseram a Copérnico. E ainda, em 1670, a universidade de Upsala, na Suécia, condenou um estudante porque havia defendido as teses copernicanas.

– Quais foram os erros que a Igreja cometeu em seu julgamento a Galileu? O que se concluiu no trabalho feito pela comissão que João Paulo II criou em 1981 para estudar o caso de Galileu?
– Dom Sánchez de Toca: Quem expressou muito bem isso foi o cardeal Paul Poupard no discurso ao finalizar o trabalho desta comissão, quando, com estas palavras – que no discurso parecem sublinhadas – destacou seu julgamento sobre o que aconteceu: “Naquela conjuntura histórico-cultural, a de Galileu, muito afastada da nossa, os juízes de Galileu, incapazes de dissociar a fé de uma cosmologia milenar, acreditaram que adotar a revolução copernicana, que por demais não estava ainda aprovada definitivamente, podia quebrar a tradição católica e que era seu dever proibir o ensinamento”.
“Este erro subjetivo de juízo, tão claro hoje para nós, conduziu-os a uma medida disciplinar por causa da qual Galileu deve ter sofrido muito. É preciso reconhecer estes erros tal como o Santo Padre pediu.”
Os juízes de Galileu se equivocaram não somente porque hoje sabemos que a terra se move, mas naquele tempo não era possível saber. Por outro lado, a história da humanidade esteve cheia de loucos que afirmavam coisas surpreendentes e depois se revelaram falsas, hoje ninguém se lembra de seus nomes. Se Galileu tivesse proposto uma teoria diferente, hoje ninguém se lembraria dele. Este foi o primeiro erro objetivo.
O cardeal Poupard também fala de um erro subjetivo. Qual foi? Creram que deveriam proibir um ensino científico por temor às suas consequências. Pensaram que permitir o ensinamento de uma doutrina científica que não estava aprovada podia colcoar em perigo o edifício da fé católica e sobretudo a fé das pessoas simples. E creram que era seu dever proibir este ensinamento.
Hoje sabemos que proibir o ensinamento de uma doutrina científica é um erro. Não cabe à Igreja dizer se está provada cientificamente ou não. Corresponde à ciência. O que Galileu pedia é que a Igreja não condenasse o copernicanismo, não tanto por medo à sua própria carreira profissional, mas porque depois, caso se demonstrasse que a terra se movia ao redor do sol, a Igreja se veria em uma situação muito difícil e faria o ridículo diante dos protestantes e Galileu queria evitar isto, porque era um homem católico sincero. E dizia também: “Se hoje se condena como herética uma doutrina científica como a que a terra se move ao redor do sol., o que acontecerá no dia em que a terra demonstrar que se move ao redor do sol? Será preciso declarar heréticos então os que sustentam que a terra está no centro?”. Isso é o que estava em jogo, é muito mais complexo do que se costuma dizer.

– Em que consistiu o castigo de Galileu?
– Dom Sánchez de Toca: Disseram que Galileu havia sido veementemente suspeito de heresia, mas não o declararam herege. Pediram-lhe que abjurasse para dissipar toda dúvida. Galileu abjurou. Disse que ele não havia defendido nem defendeu o copernicanismo. Condenou-se ao índice de livros proibidos sua obra “O diálogo”, foi-lhe imposta uma penitência saudável, que consistia em recitar uma vez na semana os sete salmos penitenciais. Sua filha se ofereceu para fazê-lo no lugar dele, e isso foi o mais humilhante, deveriam enviar uma cópia da sentença e da abjuração a todas as nunciaturas da Europa. Foi condenado à prisão de regime domiciliar. Ou seja, digamos que a condenação objetivamente não foi muito grande. Não esteve na prisão nem um só momento, em atenção à sua fama, à sua idade e à consideração que tinha; foi tratado sempre com grande admiração.

– Quem começou a difundir a lenda negra de que Galileu foi queimado na fogueira?
– Dom Sánchez de Toca: Isso é o bom, ninguém o disse, mas todo mundo acredita. Provavelmente porque se sobrepõem as imagens de Galileu e de Giordano Bruno. Em todo caso, o mito de Galileu nasce com o Iluminismo, que converteu Galileu em uma espécie de promotor do livre pensamento contra o obscurantismo da Igreja, um mártir da ciência e do progresso.
Galileu, na realidade, e isto é o que surpreende muitos, não só não foi queimado nem torturado, mas também foi católico e foi crente a vida toda. Não há nele o mínimo rastro de livre pensador. Não foi um católico exemplar, é verdade, e há momentos de sua vida pouco edificantes, mas em nenhum momento renega sua pertença à Igreja.
Ele o diz, exagerando como faz sempre, em uma carta a um nobre francês: “Outros podem ter falado mais piamente e mais doutamente, mas nenhum mais cheio de zelo pela honra e a reputação da Santa Mãe Igreja do que escrevi eu”. É exagerado, mas, em todo caso, demonstra que é verdade.

– Ele teve duas filhas monjas?
– Dom Sánchez de Toca: Teve três filhos, duas mulheres. Quando mudou-se de Pádua à corte de Toscana, colocou-as em um convento para o qual teve que pedir dispensa, porque eram muito jovens. De uma delas, Irmã Maria Celeste, conserva-se a correspondência entre pai e filha, que é verdadeiramente admirável. Ela era uma mulher extraordinária, muito inteligente, de uma grande perspicácia, grande escritora e há um livro que se baseia no epistolário entre a Irmã Maria e o pai.

– Fale-nos sobre seu livro “Galileu e o Vaticano”, cuja edição italiana foi publicada recentemente…
– Dom Sánchez de Toca: Esta investigação não trata exatamente sobre o caso Galileu, mas sobre o modo em que a comissão que João Paulo II criou releu o caso Galileu, porque se o caso Galileu é uma telenovela, como dizia Dom Mariano Artigas, em um sentido literário – segundo o dicionário, uma telenovela é, além de uma novela longa e melodramática, uma “história” real com caracteres de telenovela, ou seja, insólita, lacrimogênia e sumamente longa –, o termo se contagia também à comissão que João Paulo II instituiu entre 1981 e 1992, à qual fizeram críticas muito fortes. Dizem que não esteve à altura do desejo de João Paulo II, que os discursos de encerramento do cardeal Poupard e do Papa foram deficientes e muito fracos, que a Igreja não fez realmente o que devia ter feito. Com o professor Artigas, o outro autor do livro, que morreu em 2006, o que fizemos foi estudar toda a documentação que há nos arquivos. Ver exatamente o que fez e como fez esta comissão.
Nossa opinião é que faltavam elementos desde o princípio. Faltaram meios, boa vontade, mas, apesar de tudo, fez um bom trabalho, permitiu a abertura dos arquivos do Santo Ofício e demonstrar que na realidade não há documentos escondidos. Foram publicadas obras de referência importantes e creio que isto permitiu à Igreja fazer uma espécie de exame de consciência. Reler o caso de Galileu com outra luz. Não descobrir coisas novas, porque isso é difícil, e fazer que a Igreja em seu conjunto olhe serenamente para o caso Galileu sem rancor, sem medo.

– Por que crê que o tema de Galileu irrita tanto a opinião pública, até o ponto de que os professores da Universidade da Sapienza tenham negado ao Papa Bento XVI a entrada no ano passado, por tê-lo citado em um discurso que pronunciou em 1990?
– Dom Sánchez de Toca: Porque há quem esteja interessado em continuar fazendo de Galileu uma espécie de “santo leigo”, leigo em sentido anticristão. Mas, na realidade, foi um homem de Igreja, ainda com todas as suas deficiências. Recordo que um arcebispo de Pisa, que foi astrônomo, quis colocar, há anos, na praça dos milagres, a mais famosa, onde está a torre, uma estátua dedicada a Galileu. A prefeitura não o permitiu porque queria continuar mantendo a exclusiva sobre a imagem de Galileu, como se fosse alguém que não pertence à Igreja, mas ao mundo chamado leigo.
Por isso, cada vez que por parte da Igreja alguém cita Galileu, há uma reação de “alergia instintiva” nestes ambientes de pseudociência, que dizem: “Como vocês se atrevem a falar de Galileu, vocês que queimaram Galileu?”.

– Por que o Conselho Pontifício para a Cultura tem uma imagem de Galileu em sua biblioteca?
– Dom Sánchez de Toca: Precisamente porque Galileu é um modelo de cientista crente. Ele investiga o céu, descobre coisas novas e procura integrar seus novos conhecimentos dentro de uma visão cristã. Esforça-se por demonstrar que não há contradição com a Escritura, com a Bíblia. O que acontece é que o fez com todo o entusiasmo transbordante que irritava muito os outros. Sem ser teólogo, ele se metia em um campo que era reservado exclusivamente aos teólogos. Na contra-reforma, que um leigo, sem ter estudos de teologia, se atrevesse a interpretar a Bíblia por sua conta, ainda que fosse em sintonia com a tradição católica, despertava imediatamente suspeitas.

– Você se referiu às condutas pouco exemplares de Galileu…
– Dom Sánchez de Toca: Não é nenhum mistério que Galileu não tenha sido nenhum santo. Há alguns que, reivindicando o caráter de cientista crente, chegam a pedir inclusive sua beatificação. É demais… Galileu esteve convivendo sem estar casado com Marina Gamba, em Pádua, de quem teve três filhos. Isso não era especialmente escandaloso, mas tampouco era bem visto.
Por outra parte, tinha um temperamento forte, como os grandes gênios em geral. Tinha uma língua terrível. Foi imprudente, enfrentou a Companhia de Jesus, apesar de que os jesuítas o acolheram em Roma e avalizaram seus descobrimentos, quando era um perfeito desconhecido. Foi um pouco presunçoso, vaidoso, com grande ego. São defeitos que qualquer um pode ter e que não eliminam nada da genialidade de Galileu

sábado, 6 de fevereiro de 2010

As Sete Excelências da Batina

Fotos: Padre Marquinho Iabrud e Padre Bruno César, respectivamente pároco e vigário da Paróquia Santo Antônio - Campanha MG.



Eis aqui um texto do Padre Jaime Tovar Patrón:

Esta breve coleção de textos nos recorda a importância do uniforme sacerdotal, a batina ou hábito talar. Valha outro tanto para o hábito religioso próprio das ordens e congregações. Em um mundo secularizado, da parte dos consagrados não há melhor testemunho cristão que a vestimenta sagrada nos sacerdotes e religiosos.

“SETE EXCELÊNCIAS DA BATINA.”

"Atente-se como o impacto da batina é grande ante a sociedade, que muitos regimes anticristãos a têm proibido expressamente. Isto nos deve dizer algo. Como é possível que agora, homens que se dizem de Igreja desprezem seu significado e se neguem a usá-la?"

Hoje em dia são poucas as ocasiões em que podemos admirar um sacerdote vestindo sua batina. O uso da batina, uma tradição que remonta a tempos antiqüíssimos, tem sido esquecido e às vezes até desprezado na Igreja pós-conciliar. Porém isto não quer dizer que a batina perdeu sua utilidade, se não que a indisciplina e o relaxamento dos costumes entre o clero em geral é uma triste realidade.

A batina foi instituída pela Igreja pelo fim do século V com o propósito de dar aos seus sacerdotes um modo de vestir sério, simples e austero. Recolhendo, guardando esta tradição, o Código de Direito Canônico impõe o hábito eclesiástico a todos os sacerdotes.

Contra o ensinamento perene da Igreja está a opinião de círculos inimigos da Tradição que tratam de nos fazer acreditar que o hábito não faz o monge, que o sacerdócio se leva dentro, que o vestir é o de menos e que o sacerdote é o mesmo de batina ou à paisana.

Sem dúvida a experiência mostra o contrário, porque quando há mais de 1500 anos a Igreja decidiu legislar sobre este assunto foi porque era e continua sendo importante, já que ela não se preocupa com ninharias.
Em seguida expomos sete excelências da batina condensadas de um escrito do ilustre Padre Jaime Tovar Patrón

1ª RECORDAÇÃO CONSTANTE DO SACERDOTE

Certamente que, uma vez recebida a ordem sacerdotal, não se esquece facilmente. Porém um lembrete nunca faz mal: algo visível, um símbolo constante, um despertador sem ruído, um sinal ou bandeira. O que vai à paisana é um entre muitos, o que vai de batina, não. É um sacerdote e ele é o primeiro persuadido. Não pode permanecer neutro, o traje o denuncia. Ou se faz um mártir ou um traidor, se chega a tal ocasião. O que não pode é ficar no anonimato, como um qualquer. E logo quando tanto se fala de compromisso! Não há compromisso quando exteriormente nada diz do que se é. Quando se despreza o uniforme, se despreza a categoria ou classe que este representa.

2ª PRESENÇA DO SOBRENATURAL NO MUNDO

Não resta dúvida de que os símbolos nos rodeiam por todas as partes: sinais, bandeiras, insígnias, uniformes... Um dos que mais influencia é o uniforme. Um policial, um guardião, é necessário que atue, detenha, dê multas, etc. Sua simples presença influi nos demais: conforta, dá segurança, irrita ou deixa nervoso, segundo sejam as intenções e conduta dos cidadãos.
Uma batina sempre suscita algo nos que nos rodeiam. Desperta o sentido do sobrenatural. Não faz falta pregar, nem sequer abrir os lábios. Ao que está de bem com Deus dá ânimo, ao que tem a consciência pesada avisa, ao que vive longe de Deus produz arrependimento.

As relações da alma com Deus não são exclusivas do templo. Muita, muitíssima gente não pisa na Igreja. Para estas pessoas, que melhor maneira de lhes levar a mensagem de Cristo do que deixar-lhes ver um sacerdote consagrado vestindo sua batina? Os fiéis tem lamentado a dessacralização e seus devastadores efeitos. Os modernistas clamam contra o suposto triunfalismo, tiram os hábitos, rechaçam a coroa pontifícia, as tradições de sempre e depois se queixam de seminários vazios; de falta de vocações. Apagam o fogo e se queixam de frio. Não há dúvidas: o "desbatinamento" ou "desembatinação" leva à dessacralização.

3ª É DE GRANDE UTILIDADE PARA OS FIÉIS

O sacerdote o é não só quando está no templo administrando os sacramentos, mas nas vinte e quatro horas do dia. O sacerdócio não é uma profissão, com um horário marcado; é uma vida, uma entrega total e sem reservas a Deus. O povo de Deus tem direito a que o auxilie o sacerdote. Isto se facilita se podem reconhecer o sacerdote entre as demais pessoas, se este leva um sinal externo. Aquele que deseja trabalhar como sacerdote de Cristo deve poder ser identificado como tal para o benefício dos fiéis e melhor desempenho de sua missão.

4ª SERVE PARA PRESERVAR DE MUITOS PERIGOS

A quantas coisas se atreveriam os clérigos e religiosos se não fosse pelo hábito! Esta advertência, que era somente teórica quando a escrevia o exemplar religioso Pe. Eduardo F. Regatillo, S.I., é hoje uma terrível realidade.
Primeiro, foram coisas de pouca monta: entrar em bares, lugares de recreio, diversão, conviver com os seculares, porém pouco a pouco se tem ido cada vez a mais.
Os modernistas querem nos fazer crer que a batina é um obstáculo para que a mensagem de Cristo entre no mundo. Porém, suprimindo-a, desapareceram as credenciais e a mesma mensagem. De tal modo, que já muitos pensam que o primeiro que se deve salvar é o mesmo sacerdote que se despojou da batina supostamente para salvar os outros.

Deve-se reconhecer que a batina fortalece a vocação e diminui as ocasiões de pecar para aquele que a veste e para os que o rodeiam. Dos milhares que abandonaram o sacerdócio depois do Concílio Vaticano II, praticamente nenhum abandonou a batina no dia anterior ao de ir embora: tinham-no feito muito antes.

5ª AJUDA DESINTERESSADA AOS DEMAIS

O povo cristão vê no sacerdote o homem de Deus, que não busca seu bem particular se não o de seus paroquianos. O povo escancara as portas do coração para escutar o padre que é o mesmo para o pobre e para o poderoso. As portas das repartições, dos departamentos, dos escritórios, por mais altas que sejam, se abrem diante das batinas e dos hábitos religiosos. Quem nega a uma monja o pão que pede para seus pobres ou idosos? Tudo isto está tradicionalmente ligado a alguns hábitos. Este prestígio da batina se tem acumulado à base de tempo, de sacrifícios, de abnegação. E agora, se desprendem dela como se se tratasse de um estorvo?

6ª IMPÕE A MODERAÇÃO NO VESTIR

A Igreja preservou sempre seus sacerdotes do vício de aparentar mais do que se é e da ostentação dando-lhes um hábito singelo em que não cabem os luxos. A batina é de uma peça (desde o pescoço até os pés), de uma cor (preta) e de uma forma (saco). Os arminhos e ornamentos ricos se deixam para o templo, pois essas distinções não adornam a pessoa se não o ministro de Deus para que dê realce às cerimônias sagradas da Igreja.

Porém, vestindo-se à paisana, a vaidade persegue o sacerdote como a qualquer mortal: as marcas, qualidades do pano, dos tecidos, cores, etc. Já não está todo coberto e justificado pelo humilde hábito religioso. Ao se colocar no nível do mundo, este o sacudirá, à mercê de seus gostos e caprichos. Haverá de ir com a moda e sua voz já não se deixará ouvir como a do que clamava no deserto coberto pela veste do profeta vestido com pêlos de camelo.

7ª EXEMPLO DE OBEDIÊNCIA AO ESPÍRITO E LEGISLAÇÃO

Como alguém que tem parte no Santo Sacerdócio de Cristo, o sacerdote deve ser exemplo da humildade, da obediência e da abnegação do Salvador. A batina o ajuda a praticar a pobreza, a humildade no vestiário, a obediência à disciplina da Igreja e o desprezo das coisas do mundo. Vestindo a batina, dificilmente se esquecerá o sacerdote de seu importante papel e sua missão sagrada ou confundirá seu traje e sua vida com a do mundo.

Estas sete excelências da batina poderão ser aumentadas com outras que venham à tua mente, leitor. Porém, sejam quais forem, a batina sempre será o símbolo inconfundível do sacerdócio, porque assim a Igreja, em sua imensa sabedoria, o dispôs e têm dado maravilhosos frutos através dos séculos.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

PNDH: a definitiva implantação do totalitarismo petista

Artigo que não deixa dúvidas sobre a incompatibilidade de um católico com o marxismo petista. Dr. Rafael, delegado de polícia, membro do apostolado Veritatis Splendor e do Regnum Christi, faz uma análise do PNDH e seu totalitarismo.
Artigo originalmente publicado no VS Blog.
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by Rafael Vitola Brodbeck

O título deste artigo traduz bem as intenções do Plano Nacional de Direitos Humanos, assinado por decreto do Presidente Lula. De fato, a simples análise de suas principais linhas nos mostra a que estado de coisas o Brasil chegou na implementação da estratégia socialista. Gramsci pode comemorar feliz no inferno: a paciência do PT, fingindo-se de manso, logrou o êxito de agora estarmos a poucos passos do sonho vermelho na Terra de Santa Cruz.

Não que não tivéssemos alertado antes. Percival Puggina, Olavo de Carvalho, Pe. Paulo Ricardo, Reinaldo Azevedo, e outros tantos, não se cansam de mostrar a verdadeira face do PT: seu compromisso com o Foro de São Paulo, organização que tenta recuperar na América Latina o que perdeu o socialismo no Leste Europeu; o apoio a terroristas e guerrilheiros comunistas de todos os matizes; o namoro promíscuo com Morales, Chávez, Corrêa, Khadafi e Fidel; o discurso estatizante; o populismo dos programas sociais; o amordaçamento da imprensa; o financiamento do MST.

Agora, com o PNDH a coisa tomou rumos verdadeiramente assustadores. Resta inequívoca a intenção de uma guinada à extrema esquerda, como veremos pelo breve comentário de alguns pontos.

1. O laicismo – distinto do princípio da laicidade albergado pela Constituição – é declarado “religião de Estado”, na prática. Com efeito, o PNDH manda que se tenha um programa com vistas a eliminar os símbolos religiosos dos prédios e repartições públicas da União, em claro desrespeito à religião da maioria esmagadora do povo, e em flagrante ignorância de nossa cultura e história.

2. Revisão da anistia, e, pior, só para um lado. Os fautores do PNDH, em cristalina atitude revanchista, querem prisão para os supostos torturadores do regime militar, jogando no lixo o conceito de segurança jurídica e os mais comezinhos princípios do Estado de Direito, como prescrição, ato jurídico perfeito etc. Se a tortura é imprescritível, o terrorismo, tal qual praticado pelos que hoje estão em postos de liderança no governo Lula, inclusive a pré-candidata Dilma Roussef, também o é. Remexer em feridas já curadas é andar na contramão da anistia, que pretendeu a pacificação social. Ao se revogar a anistia, também devemos voltar ao status quo ante, com o envio imediato dos militantes de esquerda para o exílio? A própria denominação da comissão destinada a tais investigações é de caráter absolutamente totalitário: “Comissão da Verdade”. Linguagem bem ao gosto do regime do Grande Irmão, do clássico 1984 de George Orwell.

3. Promoção do aborto como se direito reprodutivo fosse. E agora, “católicos” apoiadores do PT?

4. Audiências públicas antes de o juiz conceder liminar de reintegração de posse, quando as fazendas são invadidas por bandidos do MST. Isso é um claro desrespeito à ordem jurídica, à paz social, ao direito de propriedade, e uma ideologização do processo judicial, que deveria revestir-se de caráter técnico.
Some-se a isso toda a trajetória do PT, a tentativa de calar a imprensa livre, a ânsia por instrumentalizar a polícia e os órgãos de Estado, os “amigos” de Lula no exterior, o estatuto do partido, e os responsáveis pela redação do PNDH (entre os quais Tarso Genro e o ex-guerrilheiro Franklin Martins), temos a visão de conjunto desse cenário assustador.