quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Tem paciência comigo

São João Crisóstomo, Doutor da Igreja
Homilias sobre o Evangelho de Mateus, nº 61

Cristo pede-nos duas coisas: que condenemos os nossos pecados e perdoemos os dos outros; e que façamos a primeira por causa da segunda, que nos será então mais fácil, pois aquele que pensa sobre os seus pecados será menos severo para com os seus companheiros de miséria. E que não perdoemos apenas com a boca, mas do fundo do coração, para não voltarmos contra nós próprios o ferro com que pensamos trespassar os outros. Que mal pode fazer-te o teu inimigo, em comparação com o que podes fazer a ti próprio com o teu azedume? […] 

Considera pois quantas vantagens retiras duma ofensa acolhida com humildade e mansidão. Desse modo, em primeiro lugar — e é o mais importante —, mereces o perdão dos teus pecados. Seguidamente, exercitas a paciência e a coragem. Em terceiro lugar adquires a mansidão e a caridade, pois aquele que é incapaz de se zangar com os que lhe fizeram mal será ainda mais caridoso com os que o amam. Em quarto lugar, arrancas totalmente a cólera do teu coração, o que é um bem incomparável; evidentemente, aquele que liberta a sua alma da cólera também se desembaraça da tristeza: não desperdiçará a sua vida em tristezas e vãs inquietações. É que nós punimo-nos a nós próprios quando odiamos os outros; só fazemos bem a nós próprios quando os amamos. Além disso, todos te respeitarão, mesmo os teus inimigos, ainda que sejam os demónios. Melhor ainda, se assim te comportares, até deixarás de ter inimigos.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

São cegos a conduzir outros cegos

João Escoto Erígena (?-c. 870), beneditino irlandês 
Homilia sobre o prólogo do evangelho de S. João, 11 


Santo teólogo [São João], primeiro chamaste «Verbo», «Palavra de Deus» ao Filho de Deus; depois chamaste-Lhe «vida» e «luz» (1,1.4). Foi com toda a propriedade que mudaste os seus nomes, para nos fazer compreender significações diferentes. Nomeaste-O «Verbo», porque foi por Ele que o Pai disse todas as coisas, e disse e tudo foi feito (Sl 33,9). Nomeaste-O «luz e vida» porque o Filho é também a luz e a vida de todas as coisas que foram feitas por Ele. O que é que Ele ilumina? Nada mais que Ele próprio e seu Pai […]: ilumina-Se a Si mesmo, dá-Se a conhecer ao mundo, manifesta-Se aos que não O conhecem. Essa luz do conhecimento de Deus havia deixado o mundo, quando o homem abandonou Deus. 


A luz eterna revela-Se ao mundo de duas maneiras, pela Escritura e pela criação (Sl 18; Rm 1,20). O conhecimento de Deus só se renova em nós pelos textos da Escritura santa e pela visão da criação. Estudai as palavras de Deus e recebei em vosso coração o que elas significam: aprendereis a conhecer o Verbo. Percebei pelos vossos sentidos corporais as formas magníficas das coisas acessíveis aos nossos sentidos, e nelas reconhecereis Deus, o Verbo. Em todas estas coisas, a verdade nada mais vos revelará que o próprio Verbo, que tudo fez (Jo 1,3); nada podeis contemplar fora dele, porque Ele é todas as coisas. Ele está em todas as coisas que existem, quaisquer que sejam.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Não é Ele o filho do carpinteiro?

Santo Agostinho de Hipona 
Sermão 51, §§ 19.30

A resposta do Senhor Jesus: «Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2,49) não afirma que Deus é o seu Pai para significar que José não o é. Como provar isso? Pela Escritura, que continua: «Depois desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso» (v. 51). A quem era Ele submisso? Não era a seus pais? Portanto, eram ambos seus pais. […] Eram seus pais no tempo e Deus era seu Pai desde toda a eternidade. Eles eram os pais do Filho do Homem; o Pai era-o da sua Palavra, do Verbo, da sua Sabedoria (cf 1Cor 1,24), esse poder pelo qual criou todas as coisas. 

Não nos surpreendamos pois por os evangelistas nos darem a genealogia de Jesus por via de José ao invés de o fazerem por via de Maria (cf Mt 1,1; Lc 3,23). Se Maria se tornou mãe fora dos desejos da carne, José tornou-se pai fora de uma união carnal; desse modo, pôde ser o ponto de partida da genealogia do Salvador, mesmo não sendo seu pai segundo a carne. A sua grande pureza confirma a sua paternidade. Maria, sua esposa, quis chamar-lhe assim: «Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» (Lc 2,48) […] 

Se Maria deu à luz o Salvador para além de todas as leis da natureza, o Espírito Santo também actuou em José, actuando em ambos de modo igual. «José era um homem justo», diz o evangelista Mateus (1,19). O marido era justo, sua mulher era justa: o Espírito Santo repousou sobre dois justos e deu um filho a ambos.