quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Escutar para pôr em prática

São João da Cruz (1542-1591)
carmelita descalço, doutor da Igreja
Conselhos e Máximas


O Pai celeste disse uma única palavra: o seu Filho. Disse-a eternamente e num eterno silêncio. É no silêncio da alma que Ele Se faz ouvir.

Falai pouco e não vos metais em assuntos sobre os quais não fostes interrogados.

Não vos queixeis de ninguém; não façais perguntas ou, se for absolutamente necessário, que seja com poucas palavras.

Procurai não contradizer ninguém e não vos permitais nenhuma palavra que não seja pura.

Quando falardes, que seja de modo a não ofender ninguém e não digais senão coisas que possais dizer sem receio diante de toda a gente.

Tende sempre paz interior e uma atenção amorosa para com Deus; e, quando for necessário falar, que seja com a mesma calma e a mesma paz.   
   
Guardai para vós o que Deus vos diz e lembrai-vos desta palavra da Escritura: «O meu segredo é meu» (Is 24,16). [...]    
  
Para avançar na virtude, é importante calar e agir, porque, falando, as pessoas distraem-se, ao passo que, guardando silêncio e trabalhando, recolhem-se.

Depois de aprendermos com alguém o que é preciso para o nosso progresso espiritual, não lhe peçamos que continue a falar: ponhamos mãos à obra, com seriedade e silêncio, com zelo e humildade, com caridade e desprezo de nós mesmos.

Antes de tudo, é necessário e conveniente servir a Deus no silêncio das tendências desordenadas e da língua, a fim de só ouvir palavras de amor.

Fonte:Evangelho Cotidiano

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Se ao menos hoje conhecesses o que te pode dar a paz!


São Rafael Arnaiz Barón (1911-1938)
monge trapista espanhol
Escritos espirituais 23/02/1938




Debrucei-me um pouco da janela. […] O sol começava a levantar-se. Uma paz muito grande reinava sobre a natureza. Tudo começava a despertar, a terra, o céu, os pássaros. Tudo, pouco a pouco, começava a despertar sob as ordens de Deus. Tudo obedecia às suas leis divinas, sem queixas nem sobressaltos, suavemente, com mansidão, tanto a luz como as trevas, tanto o céu azul como a terra dura coberta pelo orvalho da alvorada. Que bom é Deus!, pensei. Há paz em tudo, exceto no coração humano.Delicada e suavemente, Deus ensinou-me também, nessa madrugada doce e tranquila, a obedecer; uma grande paz encheu a minha alma. Pensei que só Deus é bom, que tudo é ordenado por Ele, que nada do que os homens fazem ou dizem tem importância, e que, para mim, só uma coisa deve haver no mundo: Deus. Deus, que tudo vai ordenar para o meu bem. Deus, que faz que a cada manhã o sol se levante, que faz que a geada derreta, que faz que os pássaros cantem, e que transmuta as nuvens do céu em mil cores suaves. Deus, que me oferece um cantinho nesta Terra para orar, que me dá um cantinho onde posso ficar à espera daquilo em que ponho a minha esperança.

Deus, que é tão bom para comigo, que, no silêncio, me fala ao coração e me ensina aos poucos, talvez em lágrimas, sempre com a cruz, a desligar-me das criaturas; a não procurar a perfeição a não ser n'Ele. Que me mostra Maria e me diz: «Eis a única criatura perfeita; nela encontrarás o amor e a caridade que não encontras junto dos homens. De que te queixas tu, Irmão Rafael? Ama-Me, sofre comigo; sou Eu, Jesus!»


terça-feira, 13 de novembro de 2018

Ser Servo

Santo Agostinho (354-430)
bispo de Hipona (norte de África), doutor da Igreja
Sermão para a ordenação de um bispo, 3, 9




O bispo que vos dirige é vosso servo. [...] Que o Senhor nos conceda, portanto, com a ajuda das vossas preces, ser e permanecer até ao fim o que quiserdes que sejamos [...]; que Ele nos ajude a cumprir o que nos ordenou. Mas, seja quem for que sejamos, não coloqueis em nós a vossa esperança. Permito-me dizer-vos isto como bispo: quero alegrar-me convosco e não ficar inflamado de orgulho. [...] Falo agora ao povo de Deus em nome de Cristo, falo na Igreja de Deus, falo como pobre servo de Deus: não coloqueis a vossa esperança em nós, não ponhais a vossa esperança nos homens. Somos bons? Somos servos. Somos maus? Continuamos a ser servos. Mas os bons, os servos fiéis, são os verdadeiros servos.

Qual é o nosso serviço? Prestai atenção: se tendes fome e não quereis ser ingratos, reparai de que celeiro tiramos as provisões; mas não és tu que tens de decidir em que travessa te é servido aquilo que estás ávido de comer: «Numa casa grande não existem somente vasos de ouro e prata, também os há de madeira e de barro» (2Tm 2,20). [O teu bispo parece-se com] uma travessa de prata, uma travessa de ouro, ou uma travessa de argila? Vê se nessa travessa há pão e quem to deu para que te fosse servido, pois Ele é que é o pão: «Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu» (Jo 6,51). Nós, portanto, servimo-vos Cristo, em lugar de Cristo [...], para que Ele chegue até vós, para que Ele seja o juiz do nosso ministério.



sexta-feira, 13 de julho de 2018

Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas

São João XXIII (1881-1963)
Papa
Diário da Alma, 13 de agosto de 1961, Paulus Editora, 2000


Tratar todos com respeito, com prudência e com simplicidade evangélica. [...] É mais conforme com o exemplo de Jesus a simplicidade mais atraente, não separada da prudência dos sábios e dos santos, que conta com a ajuda de Deus. A simplicidade pode suscitar, não digo desprezo, mas menor consideração entre os sabichões. Mas pouco importa que os sabichões, de quem não devemos fazer caso, possam provocar-nos alguma humilhação de juízo e de tratamento; tudo redunda em seu prejuizo e confusão. O simples, reto e temente a Deus é sempre o mais digno e o mais forte. Naturalmente, apoiado sempre por uma prudência sábia e graciosa.

Possui esta simplicidade quem não se envergonha de confessar o Evangelho, mesmo diante de homens que o consideram uma fraqueza e coisa de crianças, nem de confessá-lo em todas as suas partes e em todas as ocasiões e na presença de todos; não se deixa enganar ou influir pelo próximo nem perde a serenidade de ânimo por qualquer atitude que os outros adotem com ele.

Prudente é quem sabe calar uma parte da verdade cuja manifestação seria inoportuna; e que, calada, não prejudica a verdade que diz, falsificando-a; quem sabe conseguir os bons fins que se propõe escolhendo os meios mais eficazes [...]; aquele que, em todos os assuntos, distingue a substância e não se deixa importunar pelos acidentes [...]; que, como base de tudo isto, espera o êxito unicamente de Deus. [...]

A simplicidade não tem nada que contradiga a prudência, nem vice-versa. A simplicidade é amor; a prudência, pensamento. O amor ora, a inteligência vigia. Velai e orai, conciliação perfeita. O amor é como a pomba que geme; a inteligência ativa é como a serpente que nunca cai na terra, nem tropeça, porque vai apalpando com a sua cabeça todos os estorvos do caminho.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

O pecado contra o Espírito Santo

São João Paulo II (1920-2005)
Papa
Encíclica «Dominum et vivificantem», § 46 (trad. © Libreria Editrice Vaticana, rev.)


Por que razão é a blasfêmia contra o Espírito Santo imperdoável? Em que sentido devemos entender esta blasfêmia? São Tomás de Aquino responde que se trata de um pecado «imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados». De acordo com esta exegese, a blasfêmia não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste antes na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo, que age em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita deixar-se «convencer quanto ao pecado», convicção que provém do Espírito Santo (Jo 16,8) e tem carácter salvífico, rejeita simultaneamente a «vinda» do Consolador (Jo 16,7), aquela «vinda» que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do sangue de Cristo: o sangue que «purifica a consciência das obras mortas» (Heb 9,14).

Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o sangue (1Jo 5,8) permanece nas «obras mortas», no pecado. E a blasfêmia contra o Espírito Santo consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência. Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta «não-remissão» está ligada, como à sua causa, à «não-penitência», isto é, à recusa radical a converter-se. [...]

A blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem que reivindica o seu pretenso «direito» de perseverar no mal — seja ele qual for — e recusa por isso mesmo a redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou.