terça-feira, 29 de maio de 2012

São Fernando III Rei de Leão e Castela

Plinio Maria Solimeo
No início do século XIII, os muçulmanos da Espanha uniram-se aos da África numa grande coligação visando restaurar o império islamita até aos Pirineus. Inocêncio III (1160-1216), um dos grandes Papas da Idade Média, promoveu então uma cruzada dos reis cristãos de Castela, Navarra e Aragão para enfrentar a moirama. O embate se deu no dia 16 de julho de 1212, na memorável batalha de Navas de Tolosa, quando o exército cristão desbaratou o da Meia Lua, salvando assim toda a Europa do iminente perigo muçulmano e estendendo significativamente os limites da Cristandade de então.

Ao término da batalha, o Arcebispo de Toledo, D. Rodrigo Jimenez de Rada, dividiu o botim: os reis de Aragão e Navarra ficaram com todas as riquezas dos vencidos. E voltando-se para D. Afonso VIII, de Castela, disse-lhe o Arcebispo: “Quanto a vós, ficais com a glória e a honra do triunfo”. Parte dessa herança e dessa glória foram sem dúvida suas filhas, as princesas dona Berengüela e dona Branca, que de futuro seriam mães respectivamente de São Fernando III e de São Luís Rei da França. A D. Afonso VIII coube assim a glória de ser avô daqueles que talvez tenham sido os maiores reis da Idade Média.1

“Quem ama, odeia; quem odeia combate”

Conta-se que certo dia de agosto de 1199, ao se dirigirem o rei Afonso IX de Leão e a rainha dona Berengüela de Salamanca para Zamora, esta deu à luz no acampamento real àquele que seria um dos maiores guerreiros do seu tempo: São Fernando III de Leão e Castela.

O menino cresceu na corte leonesa sob os cuidados de sua piedosa mãe até a anulação por decisão papal do casamento de seus pais, porquanto o mesmo havia sido efetuado dentro dos graus de parentesco proibidos então. Dona Berengüela voltou para Castela e o menino ficou aos cuidados do pai.

Quando contava aproximadamente dez anos, Fernando foi acometido por doença mortal, não podendo dormir nem comer. Tomando-o, dona Berengüela cavalgou com ele até o mosteiro de Oña, onde passou a noite rezando e chorando aos pés da Virgem milagrosa. Então, diz um cronista da época, “o menino começou a dormir, e depois que acordou, logo pediu para comer”. Segundo um hagiógrafo do santo, a partir daí tudo mudou: “Desde esse momento, a fortuna tornou-se inseparável companheira do amável príncipe: ela o porá em possessão de dois tronos, abrir-lhe-á os corações dos homens e, sem atraiçoá-lo jamais, o porá em posse da vitória”.2

De uma piedade combativa, o jovem príncipe chorava de indignação quando ouvia dizer que os mouros blasfemavam contra Cristo e ultrajavam a Espanha cristã. E – como diz um antigo adágio da aguerrida Espanha, “Quem ama, odeia; quem odeia combate” – seu ódio contra o inimigo da fé crescia em decorrência de seu amor a Deus. Tornar-se-á mais tarde campeão de Jesus Cristo, procurando reconquistar toda a Espanha para a sua Igreja.

São Fernando, Rei de Leão e Castela

Dona Berengüela vivia na corte de seu irmão, o rei menino Henrique I, então com 14 anos. Brincando este um dia no palácio episcopal de Palência, uma telha caiu-lhe mortalmente sobre a cabeça. Sem herdeiros, seu trono passou para ela. Demonstrando gênio político superior e desinteresse de mãe, depois de proclamada rainha de Castela pelas cortes de Valladolid, dona Berengüela renunciou ao trono em favor do filho, a quem tinha chamado sigilosamente de Leão. Fernando tinha então 18 anos e era também herdeiro do trono de Leão.

Quem não gostou foi o pai de Fernando, Afonso IX, que desejava o trono para si. Sem levar em consideração que lutava contra o próprio filho, invadiu Castela à frente do exército leonês.
Não querendo lutar contra o pai, São Fernando enviou-lhe uma carta na qual dizia: “Por que hostilizais com tanta irritação este reino? Não tendes que temer danos nem guerras de Castela enquanto eu viver”.3

Afonso IX renunciou ao desejo de se tornar rei de Castela, mas deserdou o filho ao morrer.
São Fernando III não só consolidou a hegemonia de Castela como ainda aumentou seu prestígio ampliando-lhe as fronteiras, pacificando-a, repovoando-a e mantendo a paz com seus vizinhos.
Com a morte do pai e a renúncia das herdeiras do trono – suas meias-irmãs dona Sancha e dona Dulce, filhas de Afonso IX com a sua primeira mulher Teresa de Portugal – acedeu à coroa de Leão. Dona Teresa também tivera que separar-se do marido por razões de parentesco.

Aos 22 anos de idade, Fernando III casou-se com Beatriz da Suábia, considerada a princesa mais piedosa do seu tempo. Desse matrimônio nasceram dez filhos, sete homens e três mulheres. Enviuvando em 1235, voltou a casar-se, desta vez com Joana de Ponthieu, bisneta de Luís VII da França. Desta união nasceram mais três filhos.

Reconquistando os reinos mouros para Cristo

Após a vitória cristã em Navas de Tolosa os reinos muçulmanos da Espanha entraram em decadência, favorecendo a incorporação de muitos deles ao domínio de São Fernando por meio de pactos ou conquistas.
Os contemporâneos descrevem três grandes virtudes nesse grande guerreiro: a rapidez, a prudência e a perseverança. Quando os inimigos o criam em um lado, ele aparecia no outro. E sabia prolongar os assédios para economizar sangue.4

Foram inúmeras as campanhas guerreiras de São Fernando em sua reconquista da Espanha para Nosso Senhor Jesus Cristo.
O rei-santo tinha apenas 25 anos quando entrou pela primeira vez na Andaluzia. O rei mouro de Baeza veio oferecer-lhe obediência, dizendo-lhe que estava pronto a render sua cidade e assisti-lo com dinheiro e alimentos.

Em 1235, enquanto São Fernando se apoderava de Ubeda e as Ordens militares conquistavam com outras praças Trujillo e Medellin, com apenas 1500 homens seu filho, o Infante D. Afonso – mais tarde Afonso X, o Sábio –, vencia em Jerez de la Frontera o exército do rei mouro de Sevilha, composto de sete corpos de soldados. O que foi considerado por todos como um feito verdadeiramente milagroso.

Num dia do ano de 1236 estava o rei-guerreiro com sua mãe à mesa para o almoço, em Benavente, cerca de León, quando chegou um cavaleiro a toda brida para avisá-lo de que alguns cristãos haviam conseguido apoderar-se do bairro de Ajarquia, nos arrabaldes de Córdoba, antiga capital do império muçulmano, na época com 300.000 habitantes. Sitiados, pediam socorro ao monarca para enfrentar os inúmeros mouros que os cercavam.

Sem provar nenhum alimento, São Fernando levantou-se imediatamente e foi reunir seus guerreiros para socorrer os bravos súditos. Isso feito, eles cercaram a cidade de Córdoba. O soberano foi apertando cada vez mais o cerco, até que no dia 29 de junho, festa dos gloriosos Apóstolos São Pedro e São Paulo, o exército cristão entrou na antiga capital dos califas, havia 525 anos em poder dos infiéis. A mesquita maior da cidade foi purificada pelo bispo de Osma e transformada em igreja dedicada a Nossa Senhora.

Um fato simbólico: tendo o mouro Almanzor dois séculos antes conquistado a Galícia, havia feito transportar os sinos do santuário de Santiago de Compostela até Córdoba em ombros de cristãos. Pois bem, em reparação por esse ultraje, São Fernando mandou que os sinos fossem restituídos ao seu local de origem em ombros de mouros!

Triunfo da Cruz sobre o crescente

O cerco de Sevilha, em 1247, foi uma das mais notáveis empresas daqueles tempos. Durante 20 meses os mouros resistiram, pois o calor e as enfermidades pareciam lutar em seu favor. Contudo, o rei-santo não desistiu. Tanto mais que não tinha pressa, tendo ele e seus guerreiros chamado suas mulheres e filhos para o cerco. São Fernando havia trazido até mesmo os futuros povoadores para Sevilha, homens de todas as regiões e de todos os ofícios.

Finalmente Sevilha capitulou. Cantando hinos religiosos e portando um andor com a imagem da Virgem vitoriosa, um estupendo cortejo de cem mil homens entrou na cidade conquistada. Foi um brilhante triunfo da Santa Cruz sobre o Islã. De todo o antigo império mouro restava apenas o reino de Granada.

São Luís, rei de França, congratulou-se com seu primo pelo sucesso e enviou-lhe um fragmento da coroa de espinhos e outras preciosíssimas relíquias que São Fernando mandou colocar na catedral de Sevilha — outra grande ex-mesquita purificada e consagrada ao culto cristão.

Havendo, com exceção do reino de Granada, expulsado os mouros de quase toda a Espanha, São Fernando preparava-se para ir plantar a fé na África quando foi acometido por mortal doença, apesar de ter somente 52 anos de idade. Depois de receber todos os sacramentos da Igreja, faleceu piedosamente no dia 30 de maio de 1252, indo receber no Céu a recompensa demasiadamente grande que Deus reserva para os seus eleitos.

Assim um autor o descreve: “Elevada estatura, agilidade de movimentos, distinção e majestade nos modos, doce e forte ao mesmo tempo, amável com firmeza, reúne em maravilhosa harmonia as qualidades do guerreiro e as de homem de Estado”.5

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Notas:
1. Cfr. Edelvives, El Santo de Cada Día, Editorial Luis Vives, S.A., Zaragoza, 1947, tomo III, p. 302.
2. Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo II, p. 481.
3. Edelvives, op. cit. p. 304; Urbel, p. 482.
4. Urbel, id. ib. p. 484.
5. Urbel, op. cit., p. 487.
Outras obras consultadas:
- João Batista Weiss, Historia Universal, Tipografia La Educación, Barcelona, 1929, tomo VI, pp. 595 e ss.
- Carlos R. Eguía, Fernando III de Castilla y León, El Santo, in Gran Enciclopedia Rialp, Ediciones Rialp, Madri, 1972, tomo X, 41 e ss.


2 comentários:

Rafael de Mesquita Diehl disse...

Postei no meu blog o relato da morte de São Fernando:

http://civilitaschristiana.blogspot.com.br/2011/05/edificante-morte-do-rei-sao-fernando.html

Giovani Rodrigues disse...

Obrigado pela contribuição, Prof. Rafael.