"Nunca o homem-massa teria apelado a nada fora dele se a circunstância não lhe houvesse forçado violentamente a isso. Como agora a circunstância não o obriga, o eterno homem-massa, conseqüente com sua índole, deixa de apelar e sente-se soberano de sua vida. Contrariamente, o homem seleto ou excelente está constituído por uma íntima necessidade de apelar de si mesmo a uma norma além dele, superior a ele, a cujo serviço livremente se põe. Lembre-se de que, no início, distinguíamos o homem excelente do homem vulgar dizendo: que aquele é o que exige muito de si mesmo, e este, o que não exige nada, apenas contenta-se com o que é e está encantado consigo mesmo (É intelectualmente massa aquele que ante um problema qualquer se contenta com pensar o que boamente encontra em sua cabeça. É, pelo contrário, egrégio aquele que desestima o que acha sem prévio esforço em sua mente, e só aceita como digno dele aquilo que está acima dele e exige um novo estirão para alcançá-lo.). Contra o que sói crer-se, é a criatura de seleção, e não a massa, quem vive em essencial servidão. Sua vida não lhe apraz se não a faz consistir em serviço a algo transcendente. Por isso não estima a necessidade de servir como uma opressão. Quando esta, por infelicidade, lhe falta, sente desassossego e inventa novas normas mais difíceis, mais exigentes, que a oprimam. Isto é a vida como disciplina – a vida nobre –. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos. Noblesse oblige. “Viver a gosto é de plebeu: o nobre aspira a ordenação e a lei” (Goethe). Os privilégios da nobreza não são originariamente concessões ou favores, mas, pelo contrário, são conquistas, e, em princípio, supõe sua conservação que o privilegiado seria capaz de reconquistá-las em todo instante, se fosse necessário e alguém se lho disputasse."
Fonte: Ortega y Gasset, J. A Rebelião das Massas. e Booksbrasil , 2003. 37 p.
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